quarta-feira, 25 de agosto de 2010
O SUL É A MINHA TERRA
É mais Sol
O sal do Sul
É mais Sal
A lua do Sul
É mais Lua
Ao Sul
Tudo é mais
Ao Sul
Tudo é mais intenso
Ao Sul
As gaivotas voam mais alto
Ao Sul
O mar é mais mar
Ao Sul
O vento é mais doce e perfumado
O Sul
É a minha Terra
SAL DA VIDA
que me salga a vida
não é sal das minhas lágrimas
o sal
que me salga as feridas
não é sal das tuas lágrimas
o sal
que me salga o sonho
não é sal das lágrimas de ninguém
o sal
que me salga a existência
é do sul é do mar que habito
sexta-feira, 13 de agosto de 2010
DANÇA DO FOGO
Minha camponesa do sul
dá-me novamente a tua dança do fogo
e deixa-me embebedar com as curvas do teu corpo
que se vestem da noite escura
Só tu minha camponesa do sul
sabes fazer desta dança
a loucura que nos devora
quando teus seios se acalmam
na paz das minhas mãos
Só tu minha camponesa do sul
sabes chamar os deuses
e na tua dança da vida
abrir o ventre da terra
aos homens de boa vontade
vem minha camponesa do sul
a tua dança é o alimento das madrugadas
SONHO
é sempre um sonho
guardado no fundo do coração
o sonho
é sempre um sonho
contra correntes contra a razão
o sonho
é sempre um sonho
mesmo que a vida
nos obrigue a dizer não
o sonho
é sempre um sonho
mesmo que entre o leste e sueste
sopre calmo o vento suão
o sonho
é sempre um sonho
que nos aprisiona a alma
e faz da vida eterna emoção
o sonho
é sempre um sonho
que na roleta do tempo
guarda o sangue que se estanca
nas palmas da nossa mão
o sonho
é sempre um sonho
que podemos viver
desde que saibamos morrer
domingo, 8 de agosto de 2010
FADO MESTIÇO
FADO MESTIÇO
Cantarei Lisboa e o Tejo
com a mesma batida dos batuques
com que cantarei Lubango e a Leba
Com o kissange e a guitarra tocarei um fado
um fado que fale das casas de adobe
das ruas e vielas da Madragoa
Debaixo da mulemba
comendo muzongué
falarei das madrugadas e dos amanhãs
Na tasca do Bairro Alto
comendo caldo verde
verei a mulata a dançar
Debaixo da mulemba beberei maruvo e vinho novo
e falarei de um povo
que não quer mais tristeza pobreza e saudade
SER APENAS
CONTRATADOS

À noite
quando se acendia a fogueira
e rodava a panela de pirão
começava o batuque
E ali estava eu menino
sentado na roda
vendo aqueles corpos
rodando
pulando
cantando
gritando
num sobe e desce
do céu a terra
Os pés martelavam a terra
avisando N'zambi
da sua dor
À noite
quando se apagava a fogueira
e acabava o pirão
calava-se o batuque
E ali estava eu menino
Sentado na roda
Vendo aqueles corpos
Doridos e sofridos
Partirem sem um lamento
Com medo de sonhar
Mas sabendo que havia
Um amanhã
(isto só mais tarde é que saberia)
quinta-feira, 9 de julho de 2009
Põe o teu vestido preto
e junto ao decote pendura
pétalas de sonhos e sorrisos
Sorrisos feitos de amor
e cobertos de verniz do entardecer dos dias
sorrisos feitos de esperança
e cobertos de cristais das ilhas por descobrir
Percorre a cidade
e entra em todas as casas
de todas as ruas
em cada casa deixa uma pétala
mesmo naquelas em que sintas sinais de festa
ou um lamento contido de noite sem lua
Depois parte para os bairros dos que moram abraçados ao vento
e para além das pétalas semeia em cada lágrima
o trigo das nossas estrelas
Regressa à cidade
e aos sem abrigo que encontrares não lhes dê pão
Tira do teu coração todo o amor que vivemos
e aquece os seus braços
para que não tenham medo
de olhar o futuro
quarta-feira, 10 de junho de 2009
Haverá sonho
enquanto nas minhas veias
correr este rio de àguas loucas
e o sol se erguer em todas madrugadas
Haverá sonho
enquanto sentir a chuva nos lábios
e beber as gotas de orvalho
nas flores do teu jardim
Haverá sonho
enquanto o olhar souber cavalgar estrelas
e perder-se no pó do teu universo
Haverá sonho
enquanto soubermos dar as mãos
Venham
venham e sirvam-se à vontade
destes poemas
falem eles do sonho
do amor
da tristeza
ou da festa da vida
Venham
venham e matem a fome
a sede
o desejo
Encham os copos de esperança
e cubram-se de palavras
sejam elas amargas ou doces
falem da violência das àguas
ou da serenidade das brisas do entardecer
Venham
venham e alimentem-se de todos os poetas
de todos os poemas
e de todas as canções por escrever
Venham
venham à festa do sol
mas façam-me um favor
Cantem a vida
quinta-feira, 28 de maio de 2009

Não fora a flor do jacarandá
eu não saberia encontrar o caminho
que vai dar ao teu sorriso
Não fora a onda solitária a erguer-se no oceano
eu não saberia encontrar o rio
Não fora o voo da abelha sobre o néctar das roseiras
eu não saberia encontrar a fonte cristal
que nasce nos teus lábios
Então
morreria de sede
neste deserto que me cerca
segunda-feira, 18 de maio de 2009

Leva-me ao mar
A esse mar que te embala e te encanta
A esse mar onde param
Todos os rios do pensamento
A esse mar onde brincam
Todos os navios do sofrimento
Leva-me ao mar
A esse mar que te acalma
A esse mar onde se erguem
Todas as catedrais da ilusão
A esse mar onde sopram sem saber
Ventos da nossa canção
Leva-me ao mar
A esse mar que nos chama
A esse mar que foi nossa lua de abrigo
Leva-me ao mar
Leva-me ao mar meu amor
E perde-te nele comigo
Enquanto houver força nos meus olhos
Continuarei a desenhar-te
No meu caderno de escola
Enquanto houver força nos meus olhos
Continuarei a pintar-te
Na minha tela eternamente inacabada
Onde se misturam e se harmonizam
Todas as cores das tardes vividas
Enquanto houver força nos meus olhos
Continuarei a dedilhar-te
Nas cordas do meu violão
Que só conhecem o tom da tua melodia
Enquanto houver força nos meus olhos
Seguir-te-ei
Seguir-te-ei qual voo de gaivota perdida
sexta-feira, 15 de maio de 2009

Quando a noite cair sobre o meu corpo
Não te esqueças de lançar pétalas de luar
Sobre as ondas da nossa memória
E dar às areias da praia
As ilusões que não soubemos viver
No fio de prata que enfeita o pensamento
Pendura a rosa vermelha de cristal
Para que derrame pelo caminho
Todas as alegrias que não te dei
Quando a noite vier
Não sei se estarei sereno
Mas quero que saibas que ainda na distância
Continuarei a lançar ternura carinho
E diamantes de amor
Sobre o teu corpo que deixei de abraçar.
Não
Não farei do sonho a ponte
Nem quero que seja a miragem
Ou lua de qualquer terra
De um universo esquecido
Não
Não quero que o sonho
Seja a febre que se deseja
De uma loucura sem nome
Ou estrela de constelação
De um espaço por habitar
Não
Quero é que este meu sonho
Seja apenas sonho
Um sonho a rebentar como vulcão
Nas entranhas de qualquer monstro
Quero que este meu sonho
Seja apenas sonho
A respirar certezas
Em cada aurora da memória
Que seja apenas sonho
A arder em silêncio
Em cada gruta da minha existência
Que seja apenas
Que seja simplesmente
Sonho
O meu sonho e nada mais
Que seja apenas
Que seja simplesmente
Sonho
Enquanto houver mar
Para navegar
Não foi a revolta que me invadiu
Naquela manhã sem sol
Quando um monstro
Que da morte se alimenta
Lançou dardos de desespero
E setas de angústia
Sobre a esperança e a minha vida
Não não houve raiva
A nascer nos passos sem destino
Nem qualquer sinal de ódio
No olhar perdido
No infinito cinzento do horizonte
A minha revolta nasceu
Da violência e do ódio que alimenta
Esses e outros monstros
A minha revolta vem da fome e da miséria
Que mata esperanças
E queima sonhos
A minha revolta vem das raízes
Que não querem que não querem
Os sais da hipocrisia e da indiferença
Pois não dão à seiva
O sabor da esperança em cada despertar
Por isso não me revoltei
Nem nunca me revoltarei contra os céus
Pelo que me deram
Continuarei apenas
A semear esperança
Para que nasçam sorrisos
Em todas as manhãs do mundo
quarta-feira, 6 de maio de 2009
És tu
És tu amiga que povoando o meu pensamento
Dás-me a espada de combate a estes medos
Para dormir sereno sobre as feridas ainda abertas
És tu
És tu amiga que cavalgando nuvens de desespero
Desenhas rosas de esperança sobre o meu travesseiro
Para que o amanhecer seja tranquilo
És tu
És tu amiga que nesta tempestade sobre o meu barco da vida
Consegues segurar-me o leme para que minhas mãos cansadas
Não o deixem á deriva
Por isso amiga
Quando um dia me for a coragem
Dá-me os teus braços para adormecer
E se por acaso estiveres ausente manda-me o coração
Para que a noite não seja tão escura
terça-feira, 5 de maio de 2009
Sentei-me à mesa do tempo
Não para falar do hoje
Do ontem
Do amanhã
Ou do futuro
Mas sim daquele instante infinito
Em que o teu andar de gazela me tatuou o olhar
E os teus lábios de sol
Me marcaram o pensamento
Aquele instante infinito
Em que o universo explodiu em mil milhões
De estrelas diamantes
Para escreverem o teu nome
Em todas as ruas do meu corpo
Aquele instante infinito
Em que das tuas mãos nasceram os meus sentidos
Que não te doam os meus poemas
Que a minha canção não te magoe
É que do lago perturbado da memória
Vêem os ventos da cidade por construir
Com a força do nosso amor
Inventamos ruas de liberdade e sorrisos
Com a força do nosso amor
Fizemos hinos de esperança
Mas não foi fácil lavrar a terra
de todos os nossos sonhos e inquietudes
Hoje não falaremos dos poetas nem dos filósofos
Não discutiremos a teoria do caos
Nem os paradigmas da nova economia
Hoje não falaremos da violência dos rios
Não discutiremos a teoria das formas
Nem os códigos de ética da nova sociedade
Hoje não falaremos do mistério das estátuas de pascoa
Nem discutiremos as enigmáticas linhas de nazca
Nem as origens do santo graal
Hoje não quero que me fales da noite
Nem dos meninos que habitam a madrugada
Ou dos homens que moram no silêncio
Hoje quero descansar nesta margem esquerda da vida
Quero esgotar os meus medos em todos os teus silêncios
E dizer-te com toda a ternura não me faltes
Hoje quero cobrir-me com o teu olhar
E adormecer no teu sorriso
Era com o tempero da chuva morna
Que os meus olhos saboreavam teu corpo
Enquanto me davas o lua
As tuas mãos bordavam o silêncio
E eu saboreava o último vinho
Esquecido no charuto da noite sem fim
Noite em gostaria de te cantar uma canção
Canção onde cada nota tivesse o ritmo forte e quente do deserto
E a harmonia das estrelas
Que em outros tempos escutavam
A loucura dos nossos corpos nus
Uma canção onde cada nota
Fosse uma seta apontada à vida
Sabes companheira e amada
É neste momento em que o meu lamento
Se afoga nesta taça de silêncio consentido
Que te quero dar a vida
Sabes companheira e amante
É nesta noite de solidão partilhada
Que no subterrâneo dos nossos medos
Quero apertar as tuas mãos
E sentir o sangue a respirar
segunda-feira, 27 de abril de 2009
Era com inocência
Que vestias as tardes
E com aromas da manhã
Que semeavas sorrisos
Nas lavras do futuro
Ás vezes não compreendia as tuas lágrimas
E falava-te da liberdade
Sem ouvir o teu olhar
E tu estendias-me a tua mão
E perguntavas
Liberdade?
Que liberdade ?
A liberdade do sangue?
A liberdade do ódio?
A liberdade da fome?
É verdade não ouvia o teu olhar
Mas uma coisa sabia que tu sentias
Era outro o vento
Era outro o perfume
Que vinha das anharas
sexta-feira, 13 de março de 2009
Havia um sorriso
Nos teus olhos pioneiro
Mas eu não compreendia
Era um país
Que crescia no teu rosto de luar
Mas ninguém queria o teu olhar
Mas eras tu
Tu que ainda não sabias
Escrever nação
Que ainda não sabias
Chorar sobre o vento
Eras tu
Que ouvias a mensagem dos tambores
Eras tu
Que sabias ouvir as estrelas
Que te cobrias com o longo manto da noite
Eras tu
Eras tu que me dizias
Anda camarada
Vem camarada
Vamos abraçar o mundo
O meu poema
Não tem rima
Apenas o ritmo
Do bater do coração
O meu poema
Não tem a arquitectura de outros poemas
Apenas a harmonia do universo
Quando adormeço no teu nome
O meu poema
Não é quadra nem quinteto
Muito menos sextilha elegante
Apenas o pulsar do sangue do meu grito
O meu poema
O meu poema caminha pela noite
Alimenta-se das estrelas
E inventa-te a cada instante da vida
quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009
Fabricamos o silêncio
Nas mãos e nos lábios de ontem
E atiramos o grito
Para a imensidão do mar que nos há-de engolir
Do vento não falamos
E todas as praias inventadas em mim
Lançam as ondas da eterna dor
Havemos de partir
No amanhã
CHIPINDO
No chão
O sangue da terra rasgada
Sobre mim
Rios de silêncio com margens de medo
Parindo línguas de fome
Sobre o teu ventre cheio de vento
MUMUÍLA
Vinhas pelos campos
Madrugadas esquecidas
Enquanto meus olhos te absorviam
Na loucura do sol poente
Eras o verde da esperança
Nos punhos cerrados sobre as enxadas
Vinhas pelos campos
Eras a esperança a nascer
Em todos os olhares das crianças e mulheres
Estátuas de fome
Bocas sobre o horizonte seco e quente
Terra a estalar em sede
Vinhas pelos campos
E nasciam em ti todas as madrugadas
AINDA UM DIA…
Ainda um dia irei buscar-te coragem
Para quebrar todas as pontes
Que ligam o vazio o plástico e o frio
Ao sonho às estrelas e à vida
Ainda um dia hei-de quebrar portas e janelas
Para acordar sereno sobre o negro do teu olhar
E embebedar-me das cores do amanhecer
Dessa fonte que dorme em ti
PARTIDA
Depois
Há a angústia da solidão
O canto de pássaros
A incerteza dos amanhãs
O nó que afoga e não passa
A noite
Depois
Há as casas manchadas de sombras
Um punhado de lágrimas
Os lábios que se unem
Como asas de uma mesma flor
Os elos de um até já
Depois
Há a nostalgia da praia deserta
As rosas vermelhas esquecidas
As horas mortas e cansadas dos dias opacos
Depois
São as minhas lágrimas a quererem despertar
No silêncio do olhar
Sofrendo horas de carne e cinzas
Depois
São os meus poemas
De braços nus à chuva a quererem poisar em tua boca
Confiantes na noite onde mãos abandonadas
Colhem flores esquecidas nas tardes
Depois
Depois amor
É chegada a hora da partida
ABRI CAMINHOS
Abri caminhos
E em cada caminho deixei que os deuses se confundissem com a noite
Nesta fúria eterna de dar cor ao sonho
Abri caminhos
E em cada caminho acendi fogueiras em todos os trilhos da floresta
Erguida ao luar do pensamento
Abri caminhos
E em cada caminho coloquei coroas de medo
Suspensas sobre o sangue reclamado
SOLIDÃO
Ausência Frio
Lágrimas sobre violinos
A vida equilibrada no tempo
Ausência Frio
A melodia esquecida
As palavras amarradas
Ausência Frio
Os passos percorrem a cidade
Arrastam o pensamento
SENTIR
Sentir
Sentir sobre o peito
A violência quente das tuas mãos
Sentir
Sentir sobre os lábios
A dor mágica dos teus lábios
Sentir
Sentir sempre
Até que as horas se esgotem
SERENAS CORREM AS ÁGUAS
Serenas correm as águas
Sobre as doces margens do teu corpo
De que falaremos amor
Do tempo antigo
Do cristal oferecido aos deuses
Dos jardins mágicos do éden
Ou do ácido que nunca bebemos
Serenas correm as águas
Sobre a transparência amarga das tardes
De que falaremos amor
Da praia de luas vermelhas
Da loucura dos encontros
Ou da violência do tempo
Serenas correm as águas
Sobre o brilho invulgar do teu olhar
segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009
Vai meu pássaro encantado
Deixa esta terra queimada
E procura o sonho que não te posso dar
Vai meu pássaro encantado
Não te prendas a este sorriso dolorido
E poisa em terras de outro senhor
Vai meu pássaro encantado
Voa voa sobre as ondas de todos os oceanos
Voa mas crê
É por amor que te liberto
Quantas vezes mais
Irão arder em nossos olhos
Aquelas flores de ginjeira
Que teu pai lembrava todos os Setembros
Quantas vezes mais
Irão acordar em nossas mãos
As tardes laranja do por do sol
Que tua mãe bordava todos os Dezembros
Quantas vezes mais
Iremos sentir a chuva
Nas viagens loucas da chela
Que teu filho sonhava todos os Marços
Quantas vezes mais
Iremos sentir o sangue quente do mirangolo
Nas noites sem lua do tchivinguiro
Que minha mãe guardava todos os Novembros
Quantas vezes mais
Quantas vezes mais meu amor
Poderemos abraçar a terra de todas as esperanças
E dizer
Morremos serenos grávidos de amor e infinito
terça-feira, 5 de agosto de 2008

INFANCIA
Entre o deserto e o mar
Semeei estrelas em todos os caminhos
E abri cacimbas para regar meus sonhos
No verde mar das casuarinas
Naveguei em busca de portos
Para abrigar o meu barco dos encantamentos
Cresci brincando
Brincando no dorso de todas as gazelas
Sedentas de luar e ébrias do vermelho do entardecer
Mergulhei no frio do cacimbo das tardes
E deixei meu corpo molhado cheio de esperanças e amor
À espera da noite e das estrelas que me abriam estradas
Parti para longe
parti numa manhã de lágrimas
ao encontro da cidade
Mas foi lá
lá entre o deserto e o mar
Que ficou meu coração
quarta-feira, 16 de julho de 2008
Queridos amigos
Há cerca de dez meses que recebi a notícia que tinha um cancro. Como devem imaginar esta notícia explodiu dentro de mim qual bomba atómica que tudo queima e arrasa e, em segundos revi tudo o que foi a minha vida.
Decidi que teria que saber lidar com a minha mágoa e com a tristeza daqueles que me rodeavam e amavam.
Pensei que talvez me encontrasse entre a percentagem dos felizardos que sobrevivem. Pensei em tudo menos na morte e passei a lidar com esta realidade no meu dia-a-dia. Lembrei-me de um texto que lera em tempos de Randy Pausch “ Não podemos escolher as cartas que nos são distribuídas, a nossa liberdade reside em saber jogá-las”. Decidi pois jogar as cartas da vida, sem trunfos escondidos e todas “voltadas para cima” como dizia Lobo Antunes.
Decidi que iria continuar a viver como se tudo estivesse dentro da normalidade. Nada de mudanças de hábitos. Passei a ir para a empresa todos os dias e, só quando a dor era maior, é que me resignava.
O que foram estes dias, desde a primeira intervenção cirúrgica até ao último ciclo de quimioterapia, o que fiz nos momentos de desespero para aliviar a dor, só eu e os que mais perto de mim estavam o sabem.
Prometi a mim mesmo que hei-de contar a minha experiência para que ela possa contribuir, dentro do possível, para aliviar o sofrimento de milhares de pessoas que no dia-a-dia, são confrontados com esta doença.
Mas, meus queridos amigos, não são estes os motivos desta minha carta. O que foram esses tempos talvez um dia os partilhe com todos. Amigos, conhecidos e não só.
O que pretendo é, por um lado, partilhar convosco esta minha alegria de, pelo menos nesta fase, ter saído vencedor deste segundo combate e por outro agradecer do fundo do meu coração todo o apoio, toda a amizade e todo o carinho com que me rodearam nestes dias de tormenta.
Podemos ser muito fortes mas, entre as várias coisas que aprendi, quando tive que lidar com a morte, é que só a amizade, só o amor fazem verdadeiros milagres e, é só por eles que vale a pena vivermos.
Por isso o meu “bem-haja”, o meu profundo agradecimento (e não quero nesta hora indicar ninguém em especial) a todos e que a vida vos dê toda a felicidade que merecem.
Perdoem-me se não tenho palavras que possam exprimir tudo o que sinto e tudo o que fizeram. Obrigado
terça-feira, 15 de julho de 2008

GRITO
Ainda não era o tempo do cacimbo
e já a tua tela procurava marcar o ritmo dos tambores
As cores e as formas eram desenhadas com raiva
e faziam nascer o teu grito
Um grito nascido
das cores que só tu sabias misturar
Um grito nascido
das tuas mãos que de forma ágil percorriam a tela
Um grito que era nosso e que queríamos que rebentasse no Universo
por isso o vermelho
o verde o amarelo
o sangue
Por isso o azul
o castanho o preto
a lágrima
Por isso o cinza
o roxo o branco
o silêncio
Vai amigo
arranca todas as cores da tua memória
e pinta todos os gritos
de todas as mães
que já não sentem a seiva no seu corpo
Vai amigo
mistura os amarelos os vermelhos os pretos
mistura os cinzas e os azuis
e pinta suavemente a curva ágil da gazela
a matar a sede no deserto
quinta-feira, 3 de julho de 2008
dos rios que desaguam em teu nome amada
Ás vezes vão meus olhos brincando no amanhecer
das rosas vermelhas que cultivamos no jardim inventado
Inventado quando sem querer
meus olhos poisaram sobre a tua boca
e desceram...desceram..
Ás vezes vão meus olhos nestas águas revoltas
Amada
quarta-feira, 2 de julho de 2008
SECA
ou será que nunca nunca aconteceu?
Os pés martelando estradas
O espaço fechado do teu corpo
O vôo suave de um pássaro
O punho fechado sobre a enxada
O sol fechando medos
A estrela abrindo a escuridão
Foi hoje ou ontem?
Vinhas pelas estrelas
Eras a chuva desejada
Nos lábios dos que ainda não morreram
feito em Caluquembe 1988
quarta-feira, 18 de junho de 2008
Quando amanhã...
Que o mar não entre pelo teu olhar
Segura-me na mão e canta
Canta-me uma canção de embalar
para que durma serenamente no oceano da eternidade
segunda-feira, 16 de junho de 2008
Palavras

Estar com as palavras
moldá-las
torná-las abrigo
espaço habitável
de um instante de cristal
Estar com as palavras
fazê-las vento
onda de mar
chuva na terra seca
no momento das mil esperanças
Estar com as palavras
vê-las crescer no silêncio
amá-las nos subterrâneos
no exacto segundo da explosão
Estar com as palavras
fazê-las flechas mensageiras
cortinas rasgadas
nas noites do não
Como gosto de estar com as palavras
.........
vê-las crescer dentro de mim